domingo, 17 de janeiro de 2016

Constitucional IX

Constitucionalismo brasileiro 

Constitucionalismo Imperial de 1822/1824

José Afonso da Silva nos ensina que Dom Pedro I, sensível às idéias da época, reconhecia formalmente o princípio democrático da soberania popular. Por isto ordenou, em 3 de junho de 1822, a instalação de uma Assembléia-Geral Constituinte e Legislativa composta de cem membros eleitos através de sufrágio restrito. O povo, em seu sentido plural, ficou fora do processo. O sufrágio era restrito na medida em que só podia votar quem possuísse determinada quantia de bens ou imóveis. A composição representava a aristocracia intelectual brasileira, graduada em Coimbra, e a nobreza rural, proprietária dos grandes latifúndiosA Constituinte ou obedecia subservientemente à vontade do Imperador ou acabaria sendo fechada. Como a Assembléia constituinte, formada pela elite brasileira, começou a fomentar idéias que não interessavam ao Imperador, este a dissolveu em 12 de novembro de 1823, convocando outra constituinte que nunca chegou a se reunir. Isto se deu, pois Dom Pedro I outorgou, em 25 de março de 1824, a Carta Política do Império do Brasil. Esta Constituição instituiu um Estado unitário com forte centralização, com um governo monárquico, hereditário, constitucional e representativo.   Esta carta também acolheu os direitos individuais liberais presentes na Declaração de Direitos do Homem e do cidadão de 1789, entretanto como ensina Emília Viotti da Costa[14], tais direitos só tinham aplicabilidade à elite do país:

Para estes homens, educados à européia, representantes de classes dominantes, a propriedade, a liberdade, a segurança garantidas pela Constituição eram reais. Não lhes importava se a maioria da Nação se constituía de uma massa humana para a qual os preceitos constitucionais não tinham a menor eficácia. Afirmava-se a liberdade e a igualdade de todos perante a lei, mas a maioria da população permanecia escrava. Garantia-se o direito de propriedade, mas 19/20 da população, segundo cálculos de Tollenare, quando não era escrava, compunha-se de “moradores” vivendo nas fazendas em terras alheias, podendo ser mandados embora a qualquer hora. Garantia-se a segurança individual, mas podia-se matar impunemente um homem. Afirmava-se a liberdade de pensamento e de expressão, mas não foram raros os que como Davi Pamplona ou Libero Badaró pagaram caro por ela. Enquanto o texto da lei garantia a independência da Justiça, ela se transformava num instrumento dos grandes proprietários. Aboliam-se as torturas, mas, nas senzalas, os troncos, os anjinhos, os açoites, as gargalheiras, continuavam a ser usados e o senhor era o supremo juiz decidindo a vida e da morte de seus homens.

Portanto, como observado, o poder constituinte originário da Constituição do Império teve por titular o Imperador, numa clara usurpação à vontade de constituinte dos governados. Esta usurpação se traduziu em uma Constituição ilegítima que servia aos interesses do Imperador e a uma minoria elitista da população brasileira. Esta Constituição, que excluiu a maior parte do povo brasileiro, durou até o advento da República, mas como se verá no tópico seguinte, a usurpação do legítimo poder do povo apenas mudará de mãos. Em síntese a constituição de 1824 foi:

  • Monarquia hereditária
  • Outorgada por D Pedro 1º
  • Centralização política administrativa
  • Estado Unitário dividido em províncias governadas por presidentes removíveis 
  • Catolicismo romano como religião oficial
  • Rio de Janeiro capital 
  • Constituição semirígida
  • Possuía uma instituição de um rol de direitos civis e políticos por influências liberais 
  • Manutenção da escravidão
  • existência do poder moderador 
  • O poder executivo era do Imperador e dos ministros (este indicado pelo imperador)
  • O legislativo as eleições eram realizadas de forma indireta 
  • Voto censitário 
  • Assembléia geral bicameral (câmara dos deputados eleitos e temporários e câmara dos senadores indicados pelo imperador e vitalícios)
  • O judiciário era dividido entre os juízes e os jurados (garantia-se a vitaliciedade mas não a inamovibilidade) a qualquer momento os juízes poderiam ser afastados pelo imperador 
  • O STF não existia, o STJ era o órgão máximo  




Constitucionalismo de 1891 Oligarquia 

José Afonso da Silva ensina que o surgimento do Partido Republicano, o qual representava os grupos ativos da classe média e o setor mais dinâmico da classe senhorial, foi no campo político a expressão das mudanças que ocorriam na sociedade brasileira na época. As bases materiais da República começaram a se formar, quando a economia açucareira começou a ceder espaço para a expansão cafeeira. Esta mudança na base material gerou uma burguesia, aristocrática, rica e poderosa, que não via possibilidades de participar efetivamente no poder monárquico. A proclamação da República em 15 de novembro de 1889 atendeu justamente aos interesses desta aristocracia rural, que via na descentralização federativa uma possibilidade de maior participação do poder. O governo republicano não tardou a convocar um Congresso Constituinte, que fora eleito em 15 de setembro de 1890 e compunha-se de duzentos e cinco deputados e sessenta e três senadores, que, em sua maioria, eram membros da aristocracia rural. Esta maioria deu-se, pois o sistema eleitoral da época era a descoberto e os coronéis controlavam as eleições. Além disto, as eleições para a Constituinte não foram representativas. Os analfabetos e mulheres não possuíam direito de voto, fazendo com que grande parte da população brasileira fosse excluída do processo. Verifica-se, mais uma vez, que o poder popular legítimo fora novamente usurpado, mas desta vez pelo poder oligárquico, representado pelos coronéis. Havia um sistema de dominação apoiado em mecanismos eleitorais deformadores da vontade popular. A Constituinte aparentou legitimidade, mas a organização do procedimento constituinte impediu o pleno exercício do poder popular. A Constituição de 1891, conforme explica Leôncio Basbaum, institucionalizou um Estado que se assemelhava a uma pirâmide: no topo o Presidente da República, logo abaixo o partido republicano paulista e os demais partidos republicanos estaduais, e na base dela os coronéis, constituindo as famosas oligarquias estaduais. Esta Constituição, entretanto, não resistiu à chegada da Revolução de 1930. Em síntese 

  • Criação da Justiça Federal, Estadual e do STF) 
  • Influência do Constitucionalismo EUA
  • Forma Republicana de Governo 
  • sistema de governo presidencialista 
  • Estado federal
  • Capital RJ
  • Não há mais religião oficial
  • sufrágio direto, restrito aos homens alfabetizados 
  • constituição rígida
  • previsão da república federativa e da igualdade de representação dos Estados no senado. Tal previsão virou cláusula pétrea
  • Previsão do Habeas corpus pela primeira vez
  • Adotou a separação dos poderes proposta por Montesquieu 
  • sistema bicameral 
  • Poder executivo exercido pelo presidente da República, eleito pelo sufrágio direto
  • Poder Judiciário órgão máximo é chamado de STF
  • Os juízes têm a vitalicidade e a irredutibilidade de vencimentos 

Constitucionalismo na década de 1930 

José Afonso da Silva explica que a revolução de 1930 instituiu o Governo Provisório, o qual exerceria discricionariamente os poderes executivo e legislativo. Na prática, isso significava a desconstitucionalização do país na medida em que as normas constitucionais vigentes tornaram-se normas de Direito ordinário. Sob pressão, este Governo Provisório convocou a Constituinte em 1933. Quanto a esta Constituinte, José Afonso da Silva tem a dizer que:       
Mais uma vez o procedimento constituinte desajusta-se ao poder popular. Organizaram-se modos de representação para atuar na Constituinte, independentes, portanto do próprio querer do poder constituinte do povo. Vale dizer que ainda não era desta vez que a democracia haveria de florescer na composição Constituinte, pois nela ainda predominou a representação conservadora e oligárquica, que sobreviveu a Revolução de 1930, além de introduzir por via de poder autocrático um elemento corporativo de feição fascista.
Portanto, a usurpação oligárquica do poder constituinte prossegue na história nacional. Mas a Constituição de 1934 teve vida breve, pois em 10 de novembro de 1937, Getúlio Vargas instaurou o regime ditatorial conhecido como Estado Novo, institucionalizado pela Carta Política de 1937. A usurpação oligárquica dá lugar a uma usurpação autocrática centrada no poder pessoal de Getúlio: uma titularidade autocrática e ilegítima, como ensina Bonavides. A Carta Política de 1937, também chamada de Polaca, por suas semelhanças com a Carta Polanesa de 1935, regeu o país até que a vitória dos países democráticos na Segunda Guerra Mundial tornou insustentável a permanência de um governo ditatorial e com características fascistas. 

Constituição de 1934 características principais 

  • Promulgada (Mandado de Segurança, Direitos Sociais, efeito erga omnes das decisões do STF, Competência ao Procurador Geral da República para interpor ADIN interventiva).
  • Editada após pressões existentes na revolução de 1930
  • Influência pela constituição de Weimar e pelo facismo europeu
  • Centralização do poder na União
  • Capital RJ
  • Ausência de religião oficial
  • constituição rígida
  • conquista do voto feminino e secreto
  • Previsão de ação popular e mandado de segurança 
  • Poder executivo exercido pelo Presidente da República
  • Poder Legislativo exercido pelo bicameralismo desigual ou unicameralismo imperfeito. A câmera era suprema o senado era apenas uma colaboradora, não havia igualdade nas funções 
  • No poder judiciário era garantida aos juízes a inamovibilidade, vitaliciedade, e irredutibilidade de seus subsídios  

Constituição de 1937 características principais 

  • Constituição polaca, influência fascista da Polônia 
  • Outorgada 
  • Governo republicano e forma federativa de Estado
  • Restrições de direitos individuais. Ausência de mandado de segurança ou ação popular, restrição a liberdade de manifestação de pensamento no intuito de garantia da ordem e da segurança
  • Previsão da pena de morte para crimes políticos 
  • Poder executivo exercida pela autoridade suprema do presidente 
  • Poder Legislativo, Senado Federal é extinto, permanece a câmara dos deputados (eleições indiretas) e o conselho federal (indicado pelo presidente)
  • Poder judiciário enfraquecido com várias previsões autoritárias dentre elas a impossibilidade de controle judicial de atos praticados pelo Estado em situação de guerra ou emergência 


Constitucionalismo de 1946

Flávia Lages de Castro ensina que com o fim da Segunda Guerra Mundial é a vitória das democracias, o Brasil situava-se em uma situação contraditória.  Era contraditório um Estado com tantas características fascistas lutar a favor de ideais antiautoritários. A pressão pela democratização e pela reconstitucionalização do país culminou com a deposição de Getúlio Vargas em 29 de outubro de 1945. Coube, então, aos representantes eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado Federal na eleição de 02 de dezembro de 1945, a tarefa de criar uma nova Constituição. Apesar de o processo constituinte não ter sido o mais adequado ao exercício do poder popular, pela falta de tempo para se debater sobre a nova Constituição e pela falta de uma composição correspondente a paisagem social do país, verifica-se que ,pela primeira vez, o poder popular legítimo pode ser exercido. A Constituição de 1946 acabou sendo considerada a mais democrática de nossas Constituições até a chegada da Constituição de 1988. Sob a vigência desta Constituição, o Brasil construiu o Estado mais moderno do Terceiro Mundo, até que novamente o poder popular fosse usurpado com o golpe militar de 1964. Em síntese

  • Manutenção do Federalismo e fortalecimento do municipalismo
  • Retorno do mandado de segurança e ação popular 
  • Presidente eleito por voto direto
  • Controle judicial restabelecido  

Constitucionalismo de 1964 Atos institucionais 

José Afonso da Silva ensina que o período governamental sob a égide da Constituição de 1946 foi marcado por diversas crises que levaram um presidente ao suicídio, outro à renúncia e a um terceiro deposto. Foi então que, em 1964, grupos militares golpistas e elites civis, defensores da doutrina de segurança nacional, deram um golpe sob o pretexto de combater a ameaça comunista. Com a deposição de um presidente, o Comando Militar expediu o primeiro de dezesseis atos institucionais, alterando parcialmente a ordem constitucional vigente. O Ato Institucional 1 proclamava-se como interesse e vontade da Nação e defendia a legitimidade do poder constituinte da revolução de 1964. O Ato Institucional 2 e 3 mostraram, no entanto, a fragilidade deste discurso, na medida em que o poder constituinte da revolução não mostrava interesse em criar uma nova Constituição. Mantinha-se a Constituição de 1946, até porque os militares podiam modificá-la sempre que desejassem. É neste momento que o Ato Institucional 4, de 1967, se insere. A Constituição de 1946, com três Atos Institucionais modificando sua estrutura, estava totalmente retalhada e não podia ser considerada uma Constituição de fato. O AI 4 convoca o próprio Congresso Nacional para reunir-se extraordinariamente com o intuito de discutir, votar e promulgar uma nova Constituição. É importante observar que este Congresso atendia aos interesses do poder militar, visto que seus mandatos poderiam ser cassados se suas posições fossem contrárias ao regime. Neste diapasão, percebe-se que o poder militar utilizou de uma instituição representativa para tentar dar legitimidade à Constituição. Entretanto o que se verificou, de fato, foi uma outorga indireta de uma Constituição, ou seja, o poder militar e autocrático usurpando o poder constituinte popular. Com a vinda do Ato Institucional 5, tivemos o que José Afonso da Silva considera ser “o instrumento mais duro, mais cruel, que este país, na sua longa vida de antidemocracia, de arbítrio já teve”. O AI 5, bem como os demais Atos Institucionais, segundo José Afonso da Silva serviram para:
[...] coibir adversários políticos e ideológicos e sustentar os detentores do poder e os interesses das classes dominantes aliadas às oligarquias nacionais, que retornaram ao domínio político, agora reforçadas por uma nova oligarquia fundada na qualificação profissional, que é a tecnocracia, e destinada a viger enquanto estes detentores quisessem. 
Era , fundamentalmente, um regime de arbítrio, um verdadeiro Estado de Exceção que durou até 1978. Entretanto, no início da década de 80, o povo brasileiro passou a desejar um novo rumo para o país. Este desejo culminou na legítima Constituição de 1988 que será abordada a seguir. Em síntese:

  • Federalismo enfraquecido
  • Capital Distrito Federal
  • Supremacia do poder executivo. Presidente eleito de forma indireta 
  • Poder legislativo bicameral eleições diretas 
  • Poder judiciário sua competência é diminuída 
Ato Institucional nº 5 Características:

  • Não se sujeita a nenhum tipo de controle
  • suspende-s habeas corpus para casos de crimes políticos, contra segurança nacional, ordem econômica e social e a economia popular 
  • Exclusão de apreciação judicial de qualquer ato implementado com base no AI 5
  • Suspensão da vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade dos juízes 
  • Possibilidade de suspensão de direitos políticos nos 10 anos e bem como cassação de mandatos eletivos 

Constitucionalismo de 1988

Para José Afonso da Silva, a década de oitenta foi marcada por uma situação constituinte, um momento em que o povo pedia por uma nova Constituição. O movimento “Diretas-já”, que lutava pelas eleições diretas para a presidência da República, representava os sentimentos do povo brasileiro na definição de uma nova direção ao país. O Brasil precisava de uma nova Constituição e para isto convocou-se em 27 de novembro de 1985, através da Emenda Constitucional 26, um Congresso Constituinte que fora eleito livremente para elaborar a nova Carta Magna. A preparação da Constituição de 1988 teve duas técnicas utilizadas que favoreceram o princípio do poder popular: as audiências públicas e participação popular. Foi um total de cento e vinte duas emendas populares e um total de doze milhões de assinaturas que permitiram a aprovação de direitos da criança, educação, entre outros. O povo além de receber bem a Constituinte, buscava discutir o conteúdo da nova Constituição. O poder popular, como ensina José Afonso da Silva, encontrou um novo concorrente: o poder corporativo. As organizações corporativas operaram forte lobby junto aos deputados e senadores com intuito de obter benefícios. Se as propostas populares receberam formulações de eficácia limitada, as corporações conseguiram de forma concreta a defesa de seus interesses. Apesar disto, a Constituição de 1988, acabou sendo a que teve maior participação popular.  Esta participação refletiu-se nos ideais de justiça social e na busca pelo pleno desenvolvimento da cidadania presentes na Constituição de 1988.

 CONCLUSÃO

Verificou-se que na história brasileira houve momentos de usurpação do poder popular e momentos de exercício legítimo deste poder. A usurpação ora foi exercida pelo poder monárquico, ora pelo oligárquico, ora pela figura de um ditador, ora pelo poder militar. O poder legítimo do povo fora usurpado na criação das Constituições de 1824, de 1891, de 1934, de 1937, de 1967 e nos dezesseis Atos Institucionais.  Mas mesmo se a usurpação foi regra, houve momentos em que o povo conseguiu ser ouvido e participar do processo de criação de uma Constituição.  As Constituições de 1946 e a de 1988 tiveram participação popular na sua criação e regeram períodos democráticos de nossa história. A Constituição de 1946 permitiu a criação do Estado mais avançado do Terceiro Mundo. A de 1988, a Constituição cidadã, tem contribuído grandemente para o desenvolvimento da cidadania. Percebe-se que o poder constituinte originário apesar de extrajurídico, não deixa de ser política e juridicamente relevante. Estudar a titularidade do poder constituinte de forma crítica nos auxilia a entender melhor o conteúdo de nossas Constituições e se este conteúdo atende às aspirações do povo. 

Fonte:http://casespapersdireitocontabilidade.blogspot.com.br/2013/04/paper-o-constitucionalismo-no-brasil.html 

OBS: O conteúdo elaborado não tem finalidade lucrativa, e muito menos é autoria minha. Apenas viso repassar diversos artigos sobre o tema e expandir o conhecimento. Visitem os blogs que eu citei, leiam a doutrina do Marcelo Novelino que me ajudou na pesquisa. O curso de carreiras jurídicas do Renato Saraiva também é ótimo para estudo. 

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