sexta-feira, 22 de maio de 2015

Caso Ronald Opus

Veja o caso abaixo, e resolva a luz do Direito Penal Brasileiro 


"Em 23 de março, um médico examinou e concluiu que Ronald Opus morreu com um tiro de espingarda na cabeça. Mas começando as investigações, foi descoberto que Ronald tinha saltado do 10º andar de um prédio com a intenção de se suicidar, inclusive deixou um bilhete confirmando o suicídio. Acontece que ao passar pelo 9º andar caindo, ele levou um tiro de espingarda que veio da janela, matando-o instantaneamente. Mais interessante ainda, é que nem o suicida nem o atirador, sabiam que o 8º andar estava com uma rede de proteção para alguns limpadores, que estavam limpando janelas naquele prédio, logo Ronald não iria conseguir se matar pulando da janela. A conclusão do médico no final, é que Ronald então foi assassinado, já que não iria morrer por suicídio. Agora chegamos ao 9º andar, de onde veio o tiro da espingarda. Lá morava um homem idoso e sua esposa. Eles viviam brigando e o homem ameaçava sua esposa com a espingarda. Naquele dia ele estava tão irritado, que chegou a puxar o gatilho da arma, e por desorientação, não acertou sua esposa, acertou a janela, e naquele exato momento, matou Ronald Opus. O idoso não acertou sua esposa, mas por matar outra pessoa, logo é considerado culpado por assassinato. O idoso jura que sua arma nunca estava carregada, ele era apenas um homem velho que ameaçava sua esposa com uma arma velha e descarregada, nunca teve intenção de matá-la. No final tudo foi considerado um grande acidente. E ficou um mistério como aquela arma tinha sido carregada. A polícia se aprofundou nas investigações, e uma testemunha anônima confessou que viu o filho do idoso carregando a espingarda semanas antes do acidente. Logo, descobriram que a idosa tinha cortado um apoio financeiro que ela dava ao filho, e esse irritado, sabia que seu pai usava a arma sempre pra ameaçar ela, foi lá e carregou a arma. O que tornaria ele o assassino desse caso todo. A conclusão final é que o filho da idosa entrou em grande depressão, fracassado, sem dinheiro e decepcionado com sua falha tentativa de matar a mãe, decidiu cometer suicídio. Em 23 de março ele pulou do 10º andar de um edifício, mas acabou morto por um tiro de espingarda quando passou pelo 9º andar...
O nome do filho: Ronald Opus."

De acordo com a leitura do texto, responda os seguintes itens
a) Ronald Opus cometeu suicídio ou foi assassinado?
b) O pai de Ronald responderá por algum delito?
c) Caso Ronald Opus não tivesse morrido, o mesmo responderia por algum crime?

Resposta
Podemos entender por suicídio a morte voluntária que resulta diretamente ou indiretamente de um ato positivo ou negativo realizado pela própria vítima. É a destruição deliberada da própria vida. Assassinato, por sua vez, é sinônimo de homicídio, é a eliminação de uma pessoa por outra. Há quatro espécies de homicídios, mas iremos tratar apenas sobre duas. O homicídio doloso, ocorre quando há a intenção de matar. Neste caso, a pessoa tem plena consciência da consequência dos seus atos. Quem matou Ronald foi seu pai, que só o matou porque Ronald carregou a arma furtivamente, sem o mesmo perceber. 

O pai que já tinha costume de ameaçar sua esposa com a arma descarregada ficou nervoso na discussão que estava tendo com sua mulher, e jurando que sua arma não havia munição, apertou o gatilho com uma mira um pouco sem rumo , não acertando o alvo (que no caso era sua mulher) acertando o seu filho que estava no momento, caindo do prédio. Houve um erro dolosamente provocado por terceiro com aberratio ictus. Leia atentamente o artigo 20 § 2º do Código Penal 
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Erro sobre a pessoa(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Agora leia atentamente o artigo 73 do mesmo Código 
Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Como se pode ver, Ronald também é autor do crime, pois foi ele que colocou a bala na arma com a intenção de matar a sua mãe e induziu o seu pai a erro, pois o mesmo achava que a arma estava sem munição como era de costume. Entretanto, nesse caso, não ocorreu homicídio doloso consumado, pois no aberratio ictus exige que a vítima efetiva (terceiro) seja atingida. Porém, o terceiro atingido, foi o próprio autor do crime, não é passível que em um homicídio doloso a mesma pessoa (que no caso é Ronald) fosse o agente ativo e passivo. Todavia, o mesmo artigo afirma que quando por erro no emprego dos meios executórios, o autor, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, ofender pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela. Como Ronald pretendia atingir a sua mãe com a ação de seu pai, mas foi ele o atingindo, mesmo nessa situação, ele responderia como tivesse atingido sua mãe. Mas se não é possível o autor, em face da própria conduta, ser o sujeito ativo e passivo do mesmo crime, como ficaria a situação de Ronald? Isso é verdade, entretanto Ronald é sujeito ativo em relação a sua conduta e passivo em relação à conduta do outro. Porém, será extinta a punibilidade em razão de sua morte. Dispõe o artigo 107, inciso I:
Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
- pela morte do agente;

O homicídio culposo, por sua vez, é quando uma pessoa mata outra sem a intenção, quando a culpa é inconsciente. As causas do homicídio culposo são norteadas pela negligência, imperícia ou imprudência. O pai de Ronald agiu de forma culposa com erro do tipo inescusável, pois foi negligente e imprudente ao ameaçar alguém com uma arma de fogo e apertar o gatilho (mesmo que ele tivesse verificado a arma e visse que a mesma estava sem munição, ainda sim, poderia está enganado, pois poderia haver uma bala na agulha da arma. Assim, se apertasse no gatilho, com o objetivo de ameaçar, mas, saísse um projétil em virtude dessa ação, o mesmo assumiu o risco, agindo com culpa inconsciente, pois mesmo com todos os cuidados, o fato ainda era possível de acontecer). Entretanto, o aspecto subjetivo da culpa é a possibilidade de conhecer o perigo (previsibilidade) que a conduta descuidada cria para os bens jurídicos alheios, desta forma, pode-se concluir que era definitivamente imprevisível a presença de Ronald em queda livre no momento do disparo, já que é inconcebível, um homem comum, prever alguém em queda livre em um prédio, no exato momento do disparo. Assim, se a morte da vítima era absolutamente imprevisível, o pai de Ronald não pode ser responsável de forma dolosa ou culposa pela morte de seu filho. 

Agora vamos responder item por item:

a) Como Ronald foi morto por outro homem, e essa é a definição de assassinato, conclui-se que Ronald foi assassinado.

b) O pai de Ronald responderá por porte ilegal de arma, se a mesma não for registrada, e por ameaça.

c) Se Ronald Opus ficasse vivo, ele responderia por tentativa de homicídio contra sua mãe com uma pena agravada em face da circunstância da relação de parentesco, além de qualificadora da vingança, por motivo torpe. 

Conceitos importantes para uma melhor compreensão 

Revisaremos alguns elementos do "erro do Tipo, dolo e culpa" para um melhor entendimento. Dispõe o artigo 20 do Código Penal


Art. 20 - O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Descriminantes putativas(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Erro determinado por terceiro (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Erro sobre a pessoa(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 3º - O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena. Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidades da vítima, senão as da pessoa contra quem o agente queria praticar o crime. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Erro sobre a ilicitude do fato(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Assim, como já dito no código, o erro de tipo é um erro que recai sobre um elemento constitutivo do tipo legal. Por exemplo: Uma pessoa que está no meio de uma floresta escura dispara um tiro de revólver no meio da mata, pois supôs que estava sendo caçado por um animal bravio, todavia era um homem que estava de passagem, e por conta do disparo efetuado e certeiro, acabou matando-o. A falsa percepção da realidade incidiu sobre um elemento do crime de homicídio. Em face do erro cometido, não se encontra presente o elemento subjetivo do tipo do crime de homicídio doloso. Não há a consciência da conduta e do resultado, a consciência do nexo de causalidade, nem a vontade de realizar a conduta contra a vítima e produzir o resultado (morte). Outro exemplo é do agente que, em uma festa, conhece uma jovem com um perfil de modelo, grande, alta, magra e sensual, a seduz e leva para um lugar mais íntimo, mantendo com esta uma  conjunção carnal, supondo ter a mulher mais de 18 anos, quando, na verdade, contava ela 13 anos de idade. Nesse segundo caso, a falsa percepção da realidade recaiu sobre um elemento do tipo penal de estupro de vulnerável (artigo 217, CP). O erro de tipo incidente sobre as elementares, dependendo da gravidade, produz efeitos diversos:
a) Se vencível, inescusável ou indesculpável, ou seja, se o fato podia ter sido evitado mediante o emprego de alguma diligência por parte do agente, o dolo será excluído, mas será permitido a punição por crime culposo, se houver previsão legal deste 
b) Se invencível, escusável, ou desculpável, ou seja, se o fato não podia ter sido evitado mesmo que o agente empregasse alguma diligência, o dolo e culpa serão excluídos levando à atipicidade do fato e à consequente exclusão do crime 

O erro de tipo acidental é aquela que incide sobre elementos acidentais do delito ou sobre a conduta de sua execução. O agente atua com a consciência do fato, errando a respeito de um dado não essencial de delito ou quanto à maneira de execução. Suas espécies são:
a) Erro sobre o objeto (não iremos tratar sobre)
b) Erro sobre a pessoa (não iremos tratar sobre) 
c) Erro na execução- aberratio ictus
d) Resultado diverso do pretendido- aberratio criminis (não iremos tratar sobre) 

O erro na execução, também conhecido pela expressão aberratio ictus, ocorre quando o agente, pretende atingir uma pessoa, por desvio no golpe, erro de pontaria, atinge outra não pretendia, ou mesmo ambas. A aberratio ictus é uma modalide de erro acidental, não exluindo a tipicidade do fato. Dispõe o artigo 73 do Código Penal 


Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela, atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra do art. 70 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Resultado diverso do pretendido

Assim, a Aberratio ictus com unidade simples, ou com resultado único, ocorre quando outra pessoa que não a visada pelo agente vem a sofrer o resultado morte ou lesão corporal. Exemplo: o agente dispara contra "A" e erra o alvo, acertando "B", que vem a morrer ou sofrer lesão corporal. Ademais, para o efeito da pena, é como se tivesse atingindo a pessoa que queria

Erro determinado por terceiro. Dispõe o artigo 20 § 2º 
§ 2º - Responde pelo crime o terceiro que determina o erro. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Erro sobre a pessoa(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Essa determinação pode ser:
a) Dolosa, quando o terceiro induz o agente a incidir em erro. Exemplo clássico pela doutrina é quando um sujeito B quer matar o sujeito C e, o sujeito B dá uma pistola para A fazendo este crer que a arma está descarregada. O sujeito A dispara contra C, subtraindo-lhe a vida. O sujeito que entregou a arma, isto é, o sujeito B responderá por crime doloso, enquanto o sujeito provocado, isto é, o sujeito A em face de seu erro, salvo se agiu com culpa, não responde pelo crime (na minha minha opinião, mesmo que o agente tivesse a certeza que a arma está sem munição, não se deve apontar uma arma para ninguém, pois mesmo tirando o pente de um revólver, ainda pode haver uma munição na agulha da arma, assim quem faz esse tipo de brincadeira, está correndo o risco).
b) A culposa, por sua vez, se dá quando o agente, por culpa, leva outra pessoa a erro. Exemplo: O sujeito B, sem saber se a pistola está munida ou não, entrega a arma para o sujeito A e o induz a disparar contra C. Neste caso o sujeito A e o sujeito B respondem por crime culposo, pois, ambos agiram com imprudência e negligência. 

Quanto ao dolo direto, dolo eventual, culpa consciente e culpa inconsciente. O dolo direto ou determinado configura-se quando o agente prevê um resultado, dirigindo sua conduta na busca de realizá-lo. O dolo eventual é uma espécie de dolo indireto que haverá quando o sujeito conhece a possibilidade do resultado e, embora não deseja que ele aconteça, assume o risco de produzi-lo e age com total indiferença em relação ao bem jurídico tutelado. A culpa consciente existirá quando o sujeito prevê o resultado da conduta, entretanto, em razão de sua habilidade ou experiência, acredita que não ocorrerá. Em tal situação, em nenhum momento o sujeito quer ou assume o risco da ocorrência do resultado, ele apenas prevê e confia na evitação do evento ofensivo. A culpa inconsciente é a regra no ordenamento jurídico, trata-se do clássico crime culposo. Não previu porque foi negligente, imprudente ou imperito, mas era possível tal evento. 



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